Narcisismo e a dificuldade de convivência

Como a valorização excessiva do "eu" pode prejudicar as relações interpessoais.

Esquilo se vê no espelho em formato de coração
O exagero do olhar para si mesmo - foto: Geert Weggen/Flickr.
Já ouvi muitas pessoas dizendo que preferem a companhia de animais a conviver com outros seres humanos. Outros dizem que aturar os outros está sendo cada vez mais difícil e que preferem se isolar. Mas será que é possível viver sem os outros?

Há um ditado africano que diz assim: "Se quiser ir rápido, vá sozinho. Se quiser ir longe, vá acompanhado". E como todo ditado, esse traz uma grande verdade em frases bem simples. Quer passar rápido nessa vida? Não quer ter problema, não quer ter nada que o incomode, então viva sozinho e passe rápido por essa vida. Quer ir longe na vida? Quer apreciar a jornada dessa vida? Quer encontrar os verdadeiros sentidos da existência? Vá acompanhado.
Um narcisismo coletivo que nos fazem acreditar, falsamente, que 'eu me basto'.
Sabe porque não está fácil, realmente, viver em grupo? Porque fomos desaprendendo que precisamos do grupo para sobreviver. No passado, a vida em comunidade era vital para a sobrevivência de todos. O indivíduo não era visto separado de seu grupo, não havia possibilidade de viver sem o apoio do grupo. Mas o tempo foi passando e, atualmente, nós estamos baseados em filosofias de vida totalmente humanistas, hedonistas e altamente focadas no indivíduo, levando a um narcisismo coletivo que nos fazem acreditar, muito falsamente, é claro, que eu me basto, que eu tenho que me valorizar primeiro, que o meu eu deve estar em primeiro lugar para que assim eu possa me relacionar com os demais.

Indivíduo e coletivo equilibrados
Sim, nós devemos nos valorizar, afinal somos filhos de Deus, criados à sua imagem e semelhança. Quer maior honra que essa?! Mas há uma medida nessa valorização, uma referência que equilibra todas as relações no mundo, como o próprio Jesus nos ensina: "ame o teu próximo como a ti mesmo". Olha que interessante, eu devo me amar primeiro, reconhecer o meu valor, mas não devo me amar acima dos outros, ou seja, não devo me amar mais que os outros.
Descarto, cancelo e me isolo no meu mundo cada vez mais cheio de egocentrismo.
Quando eu me amo acima dos outros, eu quero que os outros preencham minhas expectativas, minhas carências; quero que meu esposo seja o marido que eu mereço; quero que minha esposa realize todas as minhas vontades; quero que meus filhos vivam para preencher minhas carências e traumas da infância. Eu sugo os outros e quando eles não me dão o que eu, supostamente, acho que mereço, eu os descarto; descarto o meu casamento, porque o outro já não está sendo, ou me dando, o que eu preciso, porque não me sinto mais amada; descarto as amizades porque eles não pensam como eu penso; descarto, cancelo, e aí vou me isolando no meu mundo, cada vez mais cheio do meu egocentrismo, até o ponto de me envenenar e sucumbir em doenças físicas e emocionais.

Quer ir longe? Aprenda a amar os outros da mesma forma que você ama a si mesmo. Use da mesma compaixão que você tem por você. Use do mesmo cuidado que você tem com você ao se alimentar, ao se cuidar, ao zelar por sua vida. Cuide do seu cônjuge como você gostaria de ser cuidado, mesmo que ele não mereça, afinal de contas olhando de pertinho sabemos que nenhum de nós merece, não é mesmo? Ame seus filhos pelo que eles são e não porque estão cumprindo suas expectativas ou carências. Ao se relacionar com o outro, se relacione procurando sempre ver o melhor do outro, assim como você gostaria que os outros lhe vissem. Ofereça compaixão, empatia, menos julgamento e mecanismos de defesa.
Amar o outro da mesma forma que eu amo a mim mesmo, ainda que o outro seja tão diferente de mim.
Infelizmente, enquanto sociedade, estamos há algum tempo matando a vida em grupo, incluindo até mesmo a vida familiar. Temos um enorme caminho que precisamos reconstruir para que possamos ir longe enquanto sociedade, enquanto seres humanos, e isso começa hoje comigo e com você, exercitando a escolha de amar o outro da mesma forma que eu amo a mim mesmo, mesmo que esse outro seja tão diferente de mim, ou mesmo que esse outro não atenda as minhas expectativas como eu gostaria.

Via Karyne Rios, Doutora em Psicologia e Comunicadora com palestras sobre Família, Filhos e Relacionamentos (transcrito a partir de conteúdo audiovisual licenciado por @igrejaunasp no YT).

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